A organização das finanças pessoais passa, inevitavelmente, pelo relacionamento do consumidor com bancos, empresas de serviços, lojas e instituições financeiras. Em muitos casos, atrasos ou dificuldades no pagamento de contas acabam gerando cobranças. O problema surge quando essa cobrança ultrapassa os limites legais e passa a constranger, ameaçar ou humilhar o consumidor. Mas afinal, cobrança abusiva é crime? O que diz a legislação brasileira sobre esse tipo de prática? E quais são os direitos de quem se sente lesado?
O que é considerado cobrança abusiva?
Cobrança abusiva é toda forma de exigir o pagamento de uma dívida de maneira excessiva, vexatória ou ilegal. Não é o simples ato de cobrar que caracteriza abuso, mas sim a forma como a cobrança é feita. A lei brasileira reconhece que o credor tem o direito de buscar o recebimento do valor devido, porém esse direito não é absoluto.
São exemplos comuns de cobrança abusiva:
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Ligações excessivas, em horários inadequados ou repetidas vezes ao longo do dia
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Ameaças, intimidações ou uso de linguagem ofensiva
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Exposição do devedor a terceiros, como familiares, vizinhos ou colegas de trabalho
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Envio de mensagens com tom humilhante ou constrangedor
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Cobrança de dívidas já quitadas ou inexistentes
Essas práticas extrapolam o razoável e violam direitos fundamentais do consumidor.
O que diz o Código de Defesa do Consumidor?
O principal dispositivo legal que trata do tema é o Código de Defesa do Consumidor (CDC). O artigo 42 é claro ao afirmar que o consumidor inadimplente não pode ser exposto ao ridículo nem submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça durante a cobrança de débitos.
Além disso, o parágrafo único do mesmo artigo garante que, caso o consumidor seja cobrado por um valor indevido e efetue o pagamento, ele tem direito à restituição em dobro do que pagou, acrescido de correção monetária e juros, salvo em situações de engano justificável.
Ou seja, a lei não apenas proíbe a cobrança abusiva, como também prevê reparação financeira quando o consumidor é prejudicado.
Cobrança abusiva é crime?
Sim, dependendo da forma, a cobrança abusiva pode ser considerada crime. O Código Penal Brasileiro tipifica algumas condutas que podem ocorrer durante cobranças ilegais. Um exemplo é o crime de constrangimento ilegal, previsto no artigo 146, que ocorre quando alguém constrange outra pessoa, mediante ameaça ou violência, a fazer algo que a lei não exige.
Além disso, ameaças, perseguições e ofensas podem se enquadrar em outros tipos penais, como ameaça ou perturbação da tranquilidade. Portanto, quando a cobrança ultrapassa o campo administrativo ou civil e atinge a dignidade da pessoa, ela pode gerar consequências criminais.
Cobrança de dívida prescrita também é ilegal?
Outro ponto importante nas finanças pessoais é a prescrição da dívida. Em regra, após cinco anos, a dívida prescreve para fins de cobrança judicial. Isso significa que o credor perde o direito de entrar com ação judicial para exigir o pagamento.
Apesar disso, a dívida ainda pode existir do ponto de vista moral ou contábil. O que não pode ocorrer é:
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Ameaça de processo judicial por dívida prescrita
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Insistência excessiva para forçar o pagamento
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Registro negativo indevido após o prazo legal
Cobrar dívida prescrita de forma intimidatória também pode ser considerada prática abusiva.
Como o consumidor pode se proteger?
O primeiro passo é reconhecer seus direitos. Muitos consumidores acabam cedendo a pressões por desconhecerem a legislação. Sempre que houver cobrança suspeita ou excessiva, é fundamental registrar provas, como prints de mensagens, gravações de ligações (quando permitidas) e anotar datas, horários e nomes de atendentes.
Além disso, o consumidor pode:
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Solicitar formalmente que a cobrança cesse
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Registrar reclamação nos órgãos de defesa do consumidor
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Buscar orientação jurídica
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Entrar com ação judicial, quando necessário
Em muitos casos, a Justiça reconhece o dano moral causado pela cobrança abusiva, resultando em indenização ao consumidor.
Empresas também têm deveres legais
Do outro lado da relação estão as empresas, que precisam adotar práticas éticas e legais. O uso de empresas terceirizadas de cobrança não isenta o credor de responsabilidade. Se a empresa contratada cometer abusos, o contratante também pode ser responsabilizado.
Para manter uma relação saudável com o cliente e evitar problemas legais, as empresas devem investir em treinamento, compliance e políticas claras de cobrança, respeitando os limites impostos pela lei.
Impacto da cobrança abusiva na saúde financeira e emocional
Além do prejuízo financeiro, a cobrança abusiva afeta diretamente o bem-estar emocional do consumidor. Ansiedade, estresse e medo são sentimentos comuns em quem sofre esse tipo de pressão. Isso compromete não apenas as finanças pessoais, mas também a qualidade de vida.
Por isso, a legislação busca equilibrar a relação entre credor e devedor, garantindo que o direito de cobrar não se sobreponha à dignidade humana.
Conclusão
Cobrança abusiva não é apenas uma prática antiética, mas pode ser ilegal e até criminosa, dependendo da situação. O consumidor brasileiro conta com uma legislação robusta para se proteger, especialmente o Código de Defesa do Consumidor, que estabelece limites claros para a atuação de credores.
Conhecer seus direitos é essencial para manter o controle das finanças pessoais e evitar abusos. Dívidas devem ser tratadas com responsabilidade e diálogo, nunca com constrangimento, ameaça ou humilhação. Quando esses limites são ultrapassados, a lei está do lado do consumidor.
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