A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre licença maternidade em famílias compostas por casais homoafetivos despertou discussões acaloradas sobre paternidade, maternidade e equidade de gênero no Brasil. A sentença, que estipula que em tais famílias uma das mulheres é considerada mãe e a outra é designada como pai, levanta sérias questões sobre os papéis de gênero e as expectativas sociais.


A narrativa em torno do tema começa a ganhar forma quando nos deparamos com a escassa licença paternidade no Brasil, atualmente limitada a apenas cinco dias corridos. Tal política, como bem destacado, reflete uma realidade ultrapassada e desigual, onde a responsabilidade pelos cuidados infantis recai de forma desproporcional sobre as mães. Enquanto elas enfrentam noites mal dormidas, amamentações e a difícil adaptação à nova rotina, muitos pais brasileiros desempenham um papel secundário, distante das demandas diárias da paternidade.


Um exemplo marcante é narrado através da experiência de um brasileiro em um país que adotou medidas mais progressistas em relação à licença parental. O constrangimento do protagonista ao sugerir que seu colega, que tiraria licença para cuidar do filho recém-nascido, estaria se tornando uma "babá", ressalta a discrepância cultural e a falta de valorização da paternidade ativa em nossa sociedade.


A decisão do STF, embora represente um avanço ao reconhecer o direito à licença maternidade para a mãe não gestante em uniões homoafetivas, levanta questões complexas sobre a percepção dos papéis de gênero. Ao atribuir à outra mulher o título de "pai", o tribunal reforça estereótipos antiquados e heteronormativos, desconsiderando a diversidade de configurações familiares e as nuances da parentalidade.


É fundamental reconhecer que a paternidade não se resume a uma figura meramente acessória, como sugerem os míseros cinco dias de licença paternidade. A verdadeira igualdade de gênero só será alcançada quando todos os pais, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, forem encorajados e apoiados a desempenhar um papel ativo e igualitário na criação de seus filhos.


A decisão do STF, ao adotar uma abordagem binária e antiquada, não apenas subestima a complexidade das relações familiares contemporâneas, mas também perpetua normas de gênero prejudiciais. Em vez de reforçar os papéis tradicionais de "pai" e "mãe", deveríamos estar buscando formas mais inclusivas e flexíveis de entender e apoiar a parentalidade em todas as suas formas.


À medida que refletimos sobre essa decisão e suas implicações, é crucial que reconheçamos a necessidade de uma mudança cultural mais ampla em relação à paternidade e à maternidade. Somente quando desafiarmos ativamente as normas de gênero arraigadas e promovermos uma visão mais igualitária e inclusiva da parentalidade, poderemos construir um futuro onde todos os pais e mães tenham as mesmas oportunidades e responsabilidades na criação de seus filhos.


A decisão do STF é, portanto, não apenas um lembrete de quanto ainda precisamos avançar em termos de equidade de gênero, mas também um apelo urgente à ação coletiva para criar um mundo onde todos os pais possam verdadeiramente compartilhar o ônus e a alegria da parentalidade.


Flavia Azevedo é articulista do Correio, editora e mãe de Leo



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